Duas Primaveras

Você já pensou que, enquanto o sol brilha aqui, no outro lado do mundo já é noite? Já viajou e chegou na mesma hora que você saiu? Pois é. Tudo é uma questão de referencial. E de cultura! E quando se "viaja", pode-se mudar tudo; variar de parâmetros, personagens, sem compromissos!!! Eu vivi, feliz, duas primaveras... No Brasil e na Europa... Aqui vão estas e muitas outras. E que seja assim sempre: várias primaveras de mim mesma!!!

11.10.06

Llorar

Duas semanas afastada do mundo, só trabalhando, trabalhando. Totalmente em dívida com os amigos, principalmente com G, uno hermano adoptado. Decidida a deixar o cansaço de lado e esquecer a necessidade biológica de sono, decidi ir ao hospital, ainda de manhã, bem cedinho, pouco depois das sete.

Primeiro, tive que convencer a enfermeira a me deixar entrar. O horário de visitação só começava às onze horas. Jeitinho brasileiro conta nessas horas. Depois fui procurar onde ficava a Bed 42 do Flat 10 no Mater Hospital, em Brisbane. A primeira vista foi um choque. Quando abri a cortina, dei de cara com ele, tentando ver quem era. Magro, magro. Segundo ele, oito quilos perdidos nas tais duas semanas.

Tentando me refazer do choque e nao assustá-lo, corri para dar um beijo e abraço. Daqueles gestos que valem mais que mil palavras. E, por muito tempo da visita, assim fiquei, abraçada a ele, em silêncio. Perguntei sobre os acontecimentos das duas semanas, que obviamente não chegavam a ser novidades. Procurei me informar sobre os procedimentos do visto dele, sobre a volta, os remédios, enfim, tudo inerente a ele e ao que estava acontecendo.

Mas havia algo pairando no ar. O olhar dele para mim, ainda que não estivesse enxergando muito bem, mergulhava fundo na minha alma e me abria a dele. Os gestos, o corpo, todo ele exalava um misto de sentimentos, jorrando pela alma cortada, invadida. Eu podia sentir a frustração. Como um sonho agonizando. Todos os planos dele de estudo, o master degree. Todos os nossos pensamentos de viagem. As festas planejadas, até mesmo o aniversário dele, que já não tinha sido como havíamos pensado. O nosso silêncio era daqueles gritantes. O olhar dele era indescritível. Como quando se está perdido e se busca referência de si mesmo. Eu não sabia o que dizer. Não há muito que dizer. É só carinho e o mais próximo de fé que se puder ter.

Mas como eu havia dito para nossa professora, eu sempre buscaria o melhor sorriso, do fundo da minha alma, para oferecer alegria, energia, nesses momentos que ele tanto estava precisando. Por isso, a angústia crescia no meu peito. A garganta estava seca. E os olhos marejados desviavam para esconder que eu estava compartilhando aquele turbilhão de sentimentos com ele. Contei sobre os problemas de saúde da minha irmã, durante nossa infância. E não escapei das tais palavras de força, "vamos lá", embora desnecessárias; minha presença ali, meu abraço, meu sorriso estavam dizendo isso mil vezes mais.

Enquanto esperávamos a enfermeira vir buscá-lo para o banho, ele começou a ficar sonolento, pois não havia dormido direito. Reclamou do vizinho de cama, um senhor com insônia, que havia passado a noite ouvindo a televisão na alturas, ainda que as enfermeiras tenham desligado a televisão várias vezes, ele voltava a ligar... Os minutos que a enfermeira tinha permitido já tinham passado há muito, mas quem é capaz de pensar nisso abraçado a um amigo doente??? Achei melhor perguntar sobre o banho, que estava demorando, e ir embora. Antes, pedi a enfermeira para deixá-lo cochilar, que ele poderia tomar banho depois. Pedi encarecidamente que fosse resolvida a questão com o vizinho da insônia. Perguntei sobre o médico de G, que não estava por lá. Tentei me informar sobre o quadro dele, ninguém soube responder. Respirei fundo e resolvi, de uma vez por todas, render-me ao cansaço e ir para casa dormir um pouco. Se eu conseguisse...

Caminhei em direção ao elevador e senti o rosto quente, uma vertigem, as lágrimas explodindo do meu rosto, quase começando a soluçar. Entrei no elevador de cabeça baixa e saí de óculos escuros, ainda numa explosão de sentimento. Acho que foi a primeira vez que eu chorei aqui na Austrália. Chorar, chorar mesmo. Tive os olhos cheios de lágrimas algumas vezes, lágrimas emocionadas, bons momentos, mesmo alguns nostálgicos. Ali, era a angústia, o medo, a preocupação explodindo. E eu chorei todo o caminho até a minha casa, mais ou menos vinte minutos a pé. E não dormi. Passei longos minutos na varanda, assistindo aos filhos de um amigo brincando. Fumei vários cigarros e com eles acendi e apaguei minha angústia seguidamente....

Nos dias que seguiram, deixei o cansaço de lado e fui todos os dias ao hospital. Parecia um zumbi, mas queria aproveitar os últimos momentos de G na Austrália. Houve visitas em que parecia uma verdadeira festa no hospital de tanta gente. Com direito a amigos roubando os doces que G havia ganhado, mas que não podia comer, pois estava enjoando facilmente.

G tentava levar tudo no bom humor, ao mesmo tempo triste por voltar nessa situação, mas feliz por ir para perto da família. A prima de G, Lily, passou estes últimos dias com ele no hospital, fazendo n jokes e animando meu querido amigo. Passeei com ele no hospital, o único momento em que ele levantava da cama, dando a volta olímpica, como ele brincava, o que significava dar a volta no andar com o andador. Mas ele acabava andando rápido e voltava para cama com vertigem... Ansiedade juvenil... Conversei com uma das enfermeiras, falei com o médico, mas a verdade é que ninguém sabia dar uma informação precisa, porque a doença não permite isso.

Na véspera do vôo, G saiu do hospital e foi para casa de nossa amiga Simone ( normalmente não escrevo o nome, só coloco a inicial, mas estou escrevendo porque isso vai render um post à parte), que é enfermeira e podia ajudar em caso de algum problema. Aliás, Simone foi quase um anjo. Acompanhou de perto todo a estadia de G no hospital, conversando com os médicos e dando todo o apoio, inclusive profissional. Foi também ela que levou G para o aeroporto com uma super van da universidade, que podia abrigar a cadeira de rodas de G.

Na casa de Simone, terça-feira, o clima era outro. Fiz de tudo para sair mais cedo do trabalho para poder dar mais um abraço e mais um beijo em G. Cheguei esbaforida na casa de Si, achando que ia ser uma coisa mais íntima...tinha uma multidão no apartamento. Nem parecia que aquele era um paciente de 3 semanas internado no hospital; G estava alegre, com uma camisa vermelha, um boné escrito Brisbane e um gostoso bom-humor, de quem está entre amigos.

O clima era de descontração total. Gente conversando por todos os lados, comida à beça, um verdadeiro farnel. Si mostrando seus dotes culinários em pizzas caseiras e bolos deliciosos. Eu não parava de beber café, porque sabia da minha próxima jornada de trabalho. O idioma predominante era o espanhol, visto que mais da metade das pessoas presentes vinha de um local com o espanhol como língua mãe; Colômbia, México, Espanha e Argentina. Tinha também o pessoal Australiano e eu, brasileira, claro.

Tiramos várias fotos, falamos besteira, lembramos histórias. Foi uma "beautiful" night... ou nite, como eles escrevem aqui.... Na hora de ir embora, foi um "parto". Eu, A and Ira nos despedimos mil vezes... Ajoelhei ao lado de G e o abracei, segurando sua mão. Estava de lado e ele perguntou quem era, "Dani???". G estava com aquele sorriso bonito no rosto, que eu quero guardar, dizendo para mim que não me queria triste, que aquilo não era uma despedida, que a gente ainda ia se ver no México, na Austrália, ou no Brasil. "Don't say goodbye, Dani", foram as palavras dele. "You can say 'See ya soon'", "Puedes también decir 'Hasta Pronto'". Assim, misturando inglês e espanhol, como sempre foram nossas conversas.

Claro, meu querido amigo G, hasta pronto e, como eu disse, "fuerza", "be strong". And todo o amor que houver nessa vida para você...

2 Comments:

Anonymous Anonymous said...

Chorar é mais que permitido... :) E às vezes é doce...

6:35 AM  
Anonymous Anonymous said...

Este texto esta incrivel... Lembrei tantas coisas q ja aconteceram comigo...

Por estas q a gente aprende q o q se leva da vida, e a vida q a gente leva... Cada um do seu jeito...

"E preciso amar as pessoas como se nao houvesse amanha..."

Aprendi muito durante esta minha "longa" vida !!! Aprendi muito com amigos, muito com minha irma...

Enfim: daqui de longe, espero q G consiga captar a energia positiva. Estamos torcendo por ele !

Tb estou torcendo pela minha irma, ta longe, q estou morrendo de saudades, pra ela ficar sempre bem...

E issi ai...

11:20 AM  

O q vc me conta?

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