Duas Primaveras

Você já pensou que, enquanto o sol brilha aqui, no outro lado do mundo já é noite? Já viajou e chegou na mesma hora que você saiu? Pois é. Tudo é uma questão de referencial. E de cultura! E quando se "viaja", pode-se mudar tudo; variar de parâmetros, personagens, sem compromissos!!! Eu vivi, feliz, duas primaveras... No Brasil e na Europa... Aqui vão estas e muitas outras. E que seja assim sempre: várias primaveras de mim mesma!!!

31.8.04

Rumando pro albergue

Depois eu acabei indo pro Vondelpark e eu sou tão lesada que me achei o máximo porque consegui chegar de tram –espécie de bonde deles, aliás, poderia escrever um texto só sobre o meu processo de compreensão da diferença entre train e tram...- sem “errar”.

No terceiro ou quarto dia, descobri que estava saltando longe e andando um bom pedaço quando o tram passava em Leidseplein, quase em frente à entrada da rua do Vondel (tsc...tsc...tsc...). Como sempre, só ri...

A essa altura, eu já tinha o tal do Strippen Kaart, aconselhado em todos os textos lidos sobre Amsterdam, que a Lia me ajudou a comprar numa espécie de banca de jornal, ainda no primeiro dia, informando que se você vai e volta dentro de uma hora, não precisa carimbar o cartão de novo. E com este cartão você anda tranquilo nos trams.

Depois eu acabei comprando também o Amsterdam Pass, apesar de estar lá no tal fim de semana no qual os museus, pelo menos grande maioria, ficam com entrada gratuita. Mas achei que valia a pena comprar porque tinham outras coisas, como passeio de barco, moinho, além de transporte gratuito – GVB- durante o tempo de uso do pass. Existia um outro passe, mas não era válido em termos de preço devido a minha faixa etária.

Planejando minha ida a Paris, acabei conhecendo um dos holandeses mais legais. Em frente à loja D-reizen, ele estava saindo pela primeira vez com o cão dele de moto. Ambos simpáticos e lindos... Aliás, isso é uma mania na Europa. Os animais vão aos restaurantes, estão o tempo todo nos meios de transporte (os homens serem lindos também...risos...).

E não vi animais largados na rua não, os famosos vira-latas... O Benji tinha inclusive uma foto linda na cortiça da casa dele de um cachorro numa bicicleta com o dono. Aliás, e as bicicletas???

É necessário ter muito cuidado para não ser atropelado em Amsterdam, sobretudo em frente a Centraal Station. Tem os trams, os carros e as bicicletas. Por todo lado. Uma imagem que ficou marcada na minha cabeça foi uma passarela, ao lado da Centraal Station, com tantas bicicletas, que chegava a formar uma massa visual, onde você não identificava que era um bando de bicicletas juntas; surreal...

Engraçado que eu tinha mil informações, mas gostava de ficar andando, solta. Logo encontrava lugares e coisas super curiosas que, certamente, nenhum guia ilustra. Enfim, confesso que eu realmente gostava de me perder...

Euzinha

30.8.04

Casal maluco-beleza - parte II

Fui então, livre daquele peso, quase me sentindo em liberdade, dar uma volta. Sem mapa, sem nada. Eu me admiro de não ter me perdido. Parei num coffee shop, claro !!!! E aí, DRo???? Só podia ter me lembrado desta minha grande amizade brasileira, que há tanto não vejo, está sumida no mundo...

A louca aqui, quando se deu conta, estava tarde da noite no Red Light District, mais um pouco e iam pensar que era um puta abusada saindo detrás do vidro...

Estava cansada e ligeiramente chapada e resolvi voltar. Era cedo. Menos de uma hora da manhã. E eis que encontro o Benji.

Está indo pra casa? Gostou de lá? Sim, gostei e tô indo descansar porque estou cansada. Ah, acho que não vou encontrar mais ninguém hoje, vou com você. Agora fodeu, literalmente. Foi o que pensei e ri interiormente... Rir de tudo, inclusive de si mesmo, é quase uma arte...

Fomos nós conversando na barca, maior barato, um vento, um frio que “te direi”...Eu estava congelando. Por isso, quando chegamos, entramos em casa e “eles me vêm com ‘quer vinho’ ”, “quer uísque”, pareceu um oásis...

Neguinho falou: “coitados, deviam estar querendo embebedar você”. Não creio... que fosse!!! Anyway, eu estava bebendo... como zoaria a Thais sobre o uísque duplo, algum tempo depois, in London... Ela dizia que, para me conquistar, bastava me dar um copo. É zoação, gente, sou alcoólatra somente em potencial...

As surpresas continuaram. Ouvi altas histórias. Vi várias fotos e dedicatórias. Galera bem doida. E adivinha? Ao som de Maria Bethânia. Sim, eles, os primeiros, adoravam o Brasil e tinham várias músicas de lá/ daqui.

E assim foi a primeira noite. Dia seguinte? Tomei um maravilhoso café da manhã, ao meio dia, quando eu ainda estava lá.... AAAAAAAAAAAAAhmsterdam...

Euzinha

29.8.04

Casal maluco-beleza - parte I

Na Centraal Station, um verdadeiro mundo, que logo eu dominaria. Com aquele maldito peso e a mochila que não caberia num locker, acabei rodando de um lado pro outro pra achar abrigo, já que minha reserva no Vondelpark era só depois...

Achei mesmo que ia conseguir, como minha amiga falara, vaga nos outros albergues; sinistro. Tudo cheio. O maldito barco hostel que eu tinha cismado era uma fortuna e eu ainda não conhecia ninguém para dividir o tal quarto... Definitivamente eu não iria pagar 200 euros no meu primeiro dia na Europa...

Sorte que a noite só caía pra lá de oito e meia. E esta hora, na minha calma providencial dos melhores/piores momentos, eu estava sentada em frente à Central de Turismo, do outro lado da Centraal Station, fumando. Nem o ponto de guia para turistas estava aberto. Foi quando apareceu o maluco. Figuraça; "Benji".

Um baixinho de lindos olhos azuis. Malandro que só. Chegou perguntando se eu estava procurando lugar pra passar a noite. E eu fumando.

Sim, eu quero. Tô sem acomodação. O Vondel não tem vaga agora. Quer ir lá pra casa? A gente recebe pessoal como você.

Incrédula, após muita insistência, olhei o álbum que ele tinha com fotos e dedicatórias, inclusive de brasileiros.

Ele falava, mas o inglês era sofrível, ele era do Irã originalmente e eu ainda não estava propriamente acostumada a isso (500 mil sotaques diferentes...imagina...).

Papo vai, papo vem. Não sei se estou entendendo... mas o papo era de que eu tinha olhos especiais, alma não sei o quê! Quando falei que era escritora então, ferrou...ele era escritor também... Enfim, acabei indo.

No meio do caminho, entendi que se eu não quisesse pagar pelo quarto, eu podia “ficar” com eles (ele e a esposa) num menage à trois, porque ele tinha gostado muito de mim... O quê?, pensei eu... Não devo estar entendendo... Estava sim... Então me esforcei em dizer que eu só queria um lugar pra passar a noite. Desisti já no caminho. De novo.

Ainda fui procurar um lugar pra ficar. Onde diabos eu ia passar a noite? Já estava praticamente escuro e eu estava cansada. Eu ria que era uma beleza... Convite pra suruba na primeira noite, isso vai ser ótimo !!!! Já tinha esquecido como era bom viajar sozinha...

Eis que encontro o Benji de novo. Agora com a esposa, que ele tinha chamado; "Lia". Uma morena, alta, da Armênia, Argélia, sei lá, nessa altura já não sei mais.... Memória também não é o meu forte... Cool.

Então o casal tentou me convencer pro menage à trois.... Não, não quero. Só um lugar pra passar a noite. Muita insistência. Se você não quiser, pode só passar a noite... E lá fui eu, depois de tanta lenga lenga, só para conhecer o lugar, como quem não quer nada....

Fui andando com a menina, Lia. O Benji continuou procurando pessoas diferentes, especiais, como ele dizia... Malucos como eu que fui, pensei eu naquele momento... Incrivelmente, parecendo me conhecer e ter certeza que eu ia ficar lá – deviam ser os meus olhos- ela foi mostrando o caminho por meio de lugares, parte de trás da Centraal, barca da esquerda ( uma baía linda, diga-se de passagem).

Conversa, conversa. Atravessa a baía. Prédio do lado tal. Rua tal. Blah Blah. Esquerda. Barco Amarelo. Rua Tal. Casa com não sei o quê na porta. Chegamos.

Bom, é agora. Entrei, super aconchegante. Quarto legal. Está aqui sua chave, ali é o banheiro, que você faz da vida, eu pinto, eu escrevo, gosto de bichos, tenho isso...

E então eu fui tomar banho... Embora pra quê? Quer saber, eles devem ser legais... No outro dia, eu iria embora bem cedo. E eu tinha a chave do quarto pra todos os efeitos. Tomei banho e saí. Fim da primeira parte da história.

Euzinha

28.8.04

Ahhhmsterdam!!!

Loucura já de início naquela imensidão de aeroporto. Placas, felizmente escritas em inglês, pra todo lado pedindo pra tomar cuidado com batedores de carteira... Ninguém merece, pensei eu, sorrindo.

Você vai para Europa, mas, de cara, encontra dois brasileiros; normal. Ah, a mulher da imigração? Nem olhou pra minha cara...

Fui na máquina comprar o ticket pra ir até a Centraal Station. Só lembrava da Sheiloca falando do desperdício de euros se você se distrai e compra ida e volta, principalmente porque é tudo em holandês, que, no máximo, agora, só domino umas poucas palavras. Tipo “vamos beber alguma coisa”, “beijos”, “adeus” etc.

Sem graça, fui pedir ajuda ao guardinha. Indicada por ele, acabei indo comprar na cabine, assim eu podia comprar falando inglês. O aeroporto é enorme e a vista da cidade estava linda. Um sol danado. Só pensei nos casacos... E se não fizesse tanto frio??? Doce ilusão...

Em frente à cabine, havia uma legião de brasileiros, parecia uma excursão. Peguei enfim o tal do trem onde uma boa alma me ensinou que, se eu não me engano, eram 3 estações, inclusive, até a Centraal Station. Não sem antes fumar o primeiro cigarrinho do que seriam muitos, muitos mesmo... alguns bem mais caros que outros...

Euzinha

27.8.04

O avião

É, tem que se dar mesmo ênfase à palavra avião. Mesmo que se esteja acostumado a viajar de avião, é uma coisa estranha, não? Imagina então viagens longas. Ficar horas com pessoas totalmente desconhecidas. Dependendo do avião, bem mais próximas do que você gostaria. Literalmente... É aquela sensação do elevador, só que prolongada... Já pensou nisso? O seu espaço “invadido”...

Parece uma eternidade. Mas não precisa ser assim. Lembro de um japonês ao meu lado. Na decolagem, ele começou a rezar e, francamente, pelo menos para mim, não há nada que crie mais tensão. Você reza quando coloca a chave na ignição? Então, sei lá, parece que sabe que vai acontecer alguma coisa...

Enfim. Subimos. O aeromoço, ou sabe lá como devo chamar, veio me acordar, quando eu estava no maior sono, pedindo para eu desligar a luz. “Que luz, que luz?”... Ele chegou a perguntar se eu estava passando bem, pois não consigo nem falar português quando acordo... E a luz que estava acesa nem era a minha; acho que ele também estava meio dormindo...

Banheiro de avião é mesmo lugar pra se conhecer gente. Cansada de ficar sentada, fiquei ali conversando, comendo um biscoitinho ruim para caramba. E não há como fugir, mesmo com todos os apetrechos, o tédio começa a surgir.

Conversei com meu companheiro de cadeira japonês. Ah, claro, ele falava português também. Trabalhava com mel e me deu uma amostra que viria a ser uma salvação. Só eu também para ficar carregando um mel até Londres...

Tinha uma senhora alemã. E que falava português também. Agora, imagina, eu, cansada, entendiada, conversando com um japonês e uma alemã falando português. Muita vontade de confraternizar, né?

Tem gente que gosta de arrumar confusão em todo lugar. Tinha um casal brigando por um lugar que, teoricamente, estava vago. É meu, é seu... Inacreditável. Ah, sim, ela, francesa; ele, alemão. Como se entendiam? Brigavam na língua mundial: inglês.

Já não me lembro mais onde, nem para onde, tive que preencher formulário ou não, só sei que ficava apavorada ao lembrar do meu amigo falando da imigração...

Depois de tudo, enfim aterrissei em Amsterdam. Ufa...

Euzinha

26.8.04

Os amigos

Ao se perceber, já se conhece uma multidão, parceiros de noitadas e excelentes momentos “interculturas”... Maravilhoso assistir, extasiada, à felicidade americana, por poder fazer o que queria na rua... Imagina então quando e se vier ao Brasil, onde as pessoas quase transam no meio da rua...

E a alegria dos australianos? O sorriso dos canadenses... O sangue “quente” dos italianos... E os espanhóis... Ah, os espanhóis... Nossos primos distantes portugueses... E sem preconceitos...

Na despedida, um “biquinho”, uma carinha especial, um olhar, cabelo arrepiado, sorrisos e muitos outros rostos que têm me rondado, lembrando da sombra-carinho...

Memória é aqui do lado, amigos, e vida está aí para isso...para ser mudada....graças! Vejo vocês qualquer dia desses no Dirty Dicks, ou no All bar one, Shaws Book Sellers, Walkabout, Sports, wherever...

Euzinha

25.8.04

Back to Brasil

Agora, engraçado é voltar e ter a sensação de que, tudo que antes fazia sentido, parece estranho e sem razão. Não se pode dizer simplesmente: “voltei”! A mente continua raciocinando em inglês e assim teima por um tempo...

De repente o que parecia frio, em temperatura, e um tempo de férias, parece a realidade mais próxima e aconchegante. Pubs, coffee shops, cafés, clubs e todas as noites contínuas, muitas das quais recheadas de momentos e detalhes que a memória certamente vai trair...

Parte do meu eu quis loucamente escrever sobre o prazer de voltar, ver o sol brilhando, meio tímido, sob os auspícios da chegada do “inverno”. E com o velho hábito nas costas, ainda se dar ao luxo de vestir um short surrado e - que maravilha- calçar a havaiana preferida (que não custou dezessete pounds...), vermelha, dando umas férias para um pé cheio de bolhas, desacostumado a sapatos fechados como botas...

Parte do meu eu ansiava o nascer do sol no Recreio, quiçá um maravilhoso pôr-do-sol na Pedra da Macumba. Amando até o favoritos no “velho” computador de trabalho, recheado de “acentos”...

“Todas as outras metades” sonhavam com o copo do final do dia, precedendo as loucas noites nos clubs, até mesmo aquela noite surreal no The End... As loucas noites quase sendo atropelada, pelos carros e pela vida...

Pegando carona no novo e desconhecido dia a dia de vivenciar uma nova e louca cidade, como Londres, da qual, exatamente como um amigo previra, penei para conseguir ir embora....

Sem dúvida alguma um turbilhão de memórias e histórias pelos quais se vai passando... Nenhum que tenha ficado marcado a ferro e fogo como foi a loucura de Londres... Literalmente tarada por Amsterdam, sonhando em voltar, ainda assim, ficando em Londres, ficando e ficando...

Agora? Tentando aprender a "voltar"; mesmo...

Euzinha


24.8.04

Voltando a escrever

Às vezes, dá uma loucura difícil de agüentar. Uma tempestade sem razões, ao menos concretas. Aquelas dúvidas existenciais. Reincidentes. E o pior é que há tanta coisa pra contar, tantos sentimentos estranhos, outros usuais, destas estranhas férias... Para variar, para poder ser você mesmo (quase no plural...).

Um misto de sensações que ficam sacudindo dentro de mim, talvez pra lembrar que fui eu que estive lá também...

Quase não lembro da partida. Só agora, tanto tempo depois de voltar da Europa, sei lá quantas semanas depois – não tenho certeza porque tempo não é o meu nome, é que ameaço escrever qualquer coisa.

Durante as arrumações, a vida estava louca, parecia que eu ia passar o resto de minha vida fora. Impressionante como temos coisas idiotas nos prendendo o tempo todo. Às vezes não tão idiotas...vai saber...

Xerox de documentos – afinal eu sempre perco tudo- passaporte, identidade, dinheiro, guias, roupas, casacos – mala pesada- frio é que não iria passar... Na última hora, parecia que ainda faltavam milhares de coisas. E eu nem estou entrando no mérito do que foram, em termos sentimentais, aquelas últimas semanas: Recreio, a loucura, enfim... E eu fui.

Euzinha